sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Evitar colapso climático exige recuperação da Floresta Amazônica

Evitar colapso climático exige recuperação da Floresta Amazônica

É preciso iniciar imediatamente “um esforço de guerra” de recuperação do que foi destruído nos últimos 40 anos no Brasil
2014-10-31 Desmatamento Amazonia Meio Ambiente Floresta Arvore
Reduzir a zero o desmatamento da Amazônia já não é suficiente para evitar um colapso climático na América do Sul. É preciso iniciar imediatamente “um esforço de guerra” de recuperação do que foi destruído nos últimos 40 anos no Brasil – uma área de 763 mil km², equivalente a duas Alemanhas, ou três Estados de São Paulo.
As conclusões são de um relatório científico que sintetizou mais de 200 estudos sobre o papel da Floresta Amazônica no sistema climático, na regulação das chuvas e na exportação de serviços ambientais para as áreas produtivas do continente. Conduzido por Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o estudo foi lançado nesta quinta-feira, 30, em São Paulo.
“Já foram destruídas pelo menos 42 bilhões de árvores na Amazônia. Em 40 anos, foram cerca de 2 mil árvores por minuto. Os danos dessa devastação já são sentidos, tanto no clima da Amazônia – que tem sua estação seca aumentando a cada ano – quanto a milhares de quilômetros dali”, disse Nobre.
Segundo ele, a floresta mantém úmido o ar em movimento, levando chuvas para regiões internas do continente. A floresta também ajuda a formar chuvas em ar limpo – o que não acontece no oceano, por exemplo. “O ar úmido é exportado para o Sudeste, o Centro-Oeste e o Sul do Brasil, por rios aéreos de vapor, mais caudalosos do que o Rio Amazonas. Sem isso, o clima nessas regiões se tornará quase desértico. Atividades humanas como a agricultura entrarão em colapso”, declarou.
Nobre explicou que a Amazônia regula o clima do continente graças à capacidade das árvores de lançar umidade na atmosfera. Cada árvore com uma copa de 10 metros, segundo ele, retira diariamente das profundezas da terra cerca de mil litros d´água, que são lançadas no ar em forma de vapor. Com isso, a floresta chega a transferir 20 trilhões de litros d´água por dia para a atmosfera.
“Se quiséssemos reproduzir artificialmente esse fenômeno, para evaporar essa quantidade d´água precisaríamos da energia de 50 mil usinas de Itaipu, ou cerca de 200 mil usinas de Belomonte”, afirmou.
Bomba de umidade
Segundo ele, uma nova teoria considera a Amazônia como uma “bomba biótica”: a transpiração das árvores, combinada à condensação vigorosa na formação de nuvens de chuva, rebaixa a pressão atmosférica sobre a floresta. Com isso, a floresta “suga” o ar úmido do oceano para o continente, mantendo as chuvas em qualquer circunstância.
“Isso explica por que não temos desertos nem furacões a leste dos Andes. Pelo menos até agora, porque se continuarmos derrubando a floresta, o fluxo se inverterá: o oceano é que sugará a umidade da Amazônia. Assim, poderemos ter no continente um cenário semelhante ao da Austrália, com grandes desertos e uma franja úmida próxima do mar”, afirma o pesquisador.
A redução do desmatamento na última década, segundo Nobre, é insuficiente para deter as dramáticas alterações no clima. “Não adianta dizer que reduzimos o desmatamento em 80%. O que importa é o passivo de desmatamento que já provocamos. Estamos quebrando nossa bomba biótica de umidade”, disse.
Além dos mais de 763 mil km² de florestas completamente devastadas, o sistema da Amazônia também sofre com o impacto das florestas degradadas, que segundo Nobre são áreas muito maiores onde só há “esqueletos de árvores” que não exercem mais os mesmos serviços ambientais. “Ao todo, acumulamos um total de quase 1,3 milhão de quilômetros quadrados de florestas comprometidas”, afirmou.
Com toda a devastação empreendida até agora, segundo Nobre, o clima da própria Amazônia foi alterado, tornando-se mais seco e facilitando o alastramento das queimadas. “Quem conhece a Amazônia há muito tempo sabe como era difícil acender uma fogueira naquela umidade. Hoje o fogo se acende facilmente, fazendo da Amazônia um crematório de riqueza genética.”
Nobre afirmou que a expansão da estação seca trará problemas econômicos de grandes dimensões para a produção agrícola. “Substituir as florestas por plantações é o que chamo de ´ilusão do agronegócio´. Eles pensam que estão conquistando terreno para plantar, mas com uma estação seca de até sete meses por ano, a irrigação – que é dispendiosa – tornará a atividade inviável. Sem falar na falta de água”, declarou.
Esforço de guerra
De acordo com Nobre, o público-alvo do relatório – intitulado “O Futuro Climático da Amazônia” – não é nem o governo, nem a comunidade científica, mas o público leigo. “Fiquei assombrado com a quantidade de estudos que comprovam os impactos da Amazônia no clima. A sociedade não pode ficar alheia a essa montanha de evidências científicas. Se demorarmos para agir, é provável que tenhamos que lidar com prejuízos inconcebíveis para quem sempre teve água fresca provida pela floresta, mesmo a milhares de quilômetros dela. Essa realidade tem que entrar no nosso imaginário”, declarou.
Segundo ele, é preciso iniciar um “esforço de guerra contra a ignorância”. “Em 2008, quando estourou a bolha financeira de Wall Street, os governos agiram rapidamente: em 15 dias, mobilizaram trilhões de dólares para salvar os bancos privados. É preciso agir com a mesma rapidez na recuperação da Amazônia – porque o desastre climático que nos ameaça é incomparavelmente maior que a crise financeira global”, disse Nobre.
Fonte: O Estado de São Paulo